Entenda

Afinal o que é a rachadinha e como ela ocorre?

A corrupção está na ordem do dia. Os incontáveis e sucessivos escândalos noticiados pela imprensa revelam o envolvimento de políticos e empresários famosos em uma série de crimes contra a Administração Pública que são popularmente referidos como “corrupção”. Essa tentativa de resumir diversos ilícitos em um só palavra em vez de simplificar acaba dificultando a compreensão e principalmente a tomada de consciência por quem é leigo no assunto.

Nesse sentido o Portal Educativo da ferramenta se propõe a conscientizar o cidadão sobre como identificar o crime de rachadinha, dentre outros ilícitos relacionados, por meio de um conteúdo acessível e didático.

A rachadinha, enquanto crime, pode ser enquadrada entre os tipos penais previstos no Capítulo I dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral, dentro do Título XI, dos Crimes contra a Administração Pública.

Antes de adentrar os ilícitos, importante mencionar o elástico conceito de funcionário público trazido pelo art. 327 do CP:

Art. 327 – Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

O conceito é “ampliativo” por ser mais abrangente que o trazido pelo Direito Administrativo (o qual identifica a mesma figura como agente público). Para o Direito Penal, assim, o que importa é o exercício da função pública, independentemente da condição pessoal do sujeito que praticou o ato ilícito. Vale ressaltar que se o crime for cometido por indivíduo ocupante de cargo em comissão, função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público, sua pena aumentará em um terço, nos termos do art. 327, § 2º do CP.

Art. 327. […] § 2º – A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

Apesar de sua natureza jurídica ser objeto de controvérsia, a modalidade mais aceita entre os juristas e a que o Ministério Público adota em suas investigações e denúncias é o peculato. Vejamos:

PECULATO

Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.

O peculato doloso ocorre quando o funcionário público se apropria ou desvia a coisa – por exemplo, o salário do assessor - que, em razão da função pública por ele exercida, está em seu poder. Tais modalidades são conhecidas pelos termos peculato-apropriação e peculato-desvio.

Exemplo 1: se o deputado leva para casa um carro a serviço da ALERJ, que utiliza para o desempenho de suas funções, e não o devolve à instituição, pratica o peculato-apropriação.

Exemplo 2: se o deputado utiliza o salário de seu assessor ou mesmo seu auxílio educacional para se enriquecer, pratica o peculato-desvio.

Além dessas facetas, outra modalidade de peculato doloso é o peculato-furto, previsto no §1° do art. 312 do Código Penal:

Art. 312. […] § 1º – Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

Exemplo clássico de peculato-furto é o do funcionário público que subtrai o notebook usado por um colega da repartição em que trabalha.

As últimas modalidades dolosas do tipo são o peculato mediante erro de outrem, ou peculato-estelionato (art. 313 do CP), e o peculato via inserção de dados falsos em sistema de informações, ou peculato-eletrônico (art. 313-A do CP).

Peculato mediante erro de outrem
Art. 313 – Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Inserção de dados falsos em sistema de informações
Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Exemplo 1: funcionário público que recebe de um terceiro valores que deviam ter sido depositados e se apropria da quantia comete o crime de peculato-estelionato.

Exemplo 2: parlamentar que altera no sistema informatizado da ALERJ trecho de lei aprovada ou modifica pratica o crime de peculato-eletrônico.

O peculato possui uma modalidade culposa, prevista no §2° do art. 312 do CP.

Art. 312.
[…]
§ 2º – Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano.

Exemplo: o assessor, ao sair do gabinete, não verifica e deixa a porta aberta, permitindo que um estranho adentre e leve todo o conteúdo que nele se encontra.

Por fim, importante observar que o chamado “peculato de uso”, que ocorre quando um funcionário público se apropria, desvia ou subtrai bem da Administração e o devolve no exato estado em que o encontrou, não é crime. No entanto, configura ato de improbidade administrativa, em virtude do enriquecimento ilícito que a prática pode proporcionar.

Exemplo: um deputado que usa o veículo da repartição em que trabalha para ir com amigos para festa particular e depois o devolve nas exatas condições em que encontrou, pratica o peculato de uso, que não é crime, mas importa em ato de improbidade administrativa.

Outra possibilidade é enquadrar a rachadinha como crime de concussão, quando o funcionário exige e intimida outrem para obter vantagem indevida.

CONCUSSÃO

O conceito de concussão aparece no art. 316 do CP:

Art. 316 – Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa.

Pela leitura atenta, o funcionário público deve fazer exigência da vantagem indevida, utilizando-se de sua figura pública como um meio de coação. Em razão dessa que ocorre o abuso.

A apresentação acima é importante para que não se confunda a concussão com a corrupção passiva. Nessa modalidade, como será visto, o agente público não exige, mas solicita vantagem indevida.

Trata-se de infração que não admite modalidade culposa e se consuma no momento da exigência; logo, ela dispensa que seja efetivamente dada qualquer vantagem. Caso isso ocorra, haverá apenas exaurimento do crime.

CORRUPÇÃO PASSIVA

O conceito de corrupção passiva aparece no art. 317 do CP:

Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Na modalidade passiva de corrupção, o funcionário público corrompido atua solicitando ou recebendo vantagem. Essa infração também é conhecida como suborno.

Para o crime de corrupção, o legislador criou dois tipos distintos para cada uma das condutas (ativa e passiva). Ou seja, apesar de se ter agentes concorrendo para o mesmo resultado, eles responderão por crimes diversos. Notável, portanto, que a infração sob exame é uma exceção à teoria monista, adotada no art. 29 do CP, que estabelece como regra geral o concurso de pessoas. Confira:

Art. 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

A corrupção passiva possui uma modalidade privilegiada, prevista no §2° do art. 317 do CP:

Art. 317.
[…]
§ 2º – Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

REFERÊNCIAS

Principais Crimes Contra A Administração Pública. Descomplica. Disponível em: . Acesso em: 06 nov. 2019.

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